06/04/2009

Resumo da Sessão "Velhos e novos pobres: a solidariedade a quem precisa"

A sessão do Fórum da Verdade dedicado ao tema “Velhos e novos pobres: a solidariedade a quem precisa” começou com o visionamento de um vídeo onde Manuela Ferreira Leite, líder do PSD, defende que é preciso “desde já canalizar recursos para as instituições de solidariedade social”, e que “se deve acarinhar as redes de solidariedade da Sociedade Civil”.

Falando em Lisboa, a 2 de Março, a presidente do PSD frisou que o combate à pobreza não pode ser feito através da criação de novos subsídios “ que só perpetuam a dependência”, mas sim “pelo centrar da actuação em políticas que criem oportunidades de intervenção, e que complementem, como é desejável, a acção do Estado”.

Para o PSD “a actual situação de emergência social pode levar a que se abdiquem de alguns investimentos públicos para afectar recursos aos casos mais prementes “.

Leonor Beleza que moderou o Fórum da Verdade lembrou, por seu lado, que a pobreza é “o ponto de onde podemos ver as coisas de uma forma mais grave”, e que hoje “ nesta situação de emergência social não se trata de debater as dificuldades de carácter estrutural, mas sim de acorrer aos problemas mais graves”.


Manuel de Lemos: "A pobreza não é pois um problema conjuntural mas sim intrínseco ao nosso modelo de desenvolvimento, e não é possível ser alterado com medidas avulsas e com um deficiente conhecimento da realidade"

O Presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos iniciou a sua intervenção referindo que não ia dar grandes novidades em matéria de pobreza uma vez que “o quadro que hoje se vive, sem prejuízo da evolução recente, já existe há vários anos”. Considerou que “pobreza e a exclusão social são obviamente coisas diferentes, que hoje quase todos metem no mesmo saco” e globalmente considerou que “ a pobreza em Portugal é um fenómeno estrutural e não conjuntural “. Lembrou que já num estudo de 1988 do professor Bruto da Costa se verificava que 20 % da população portuguesa era pobre. Em 2008, ou seja 20 anos depois e com centenas de milhões e euros gastos em nome do combate à pobreza, o mesmo Bruto da Costa detectava uma taxa de pobreza em 19 % da população portuguesa.

“A pobreza não é pois um problema conjuntural mas sim intrínseco ao nosso modelo de desenvolvimento, e não é possível ser alterado com medidas avulsas, e com deficiente conhecimento da realidade”, referiu.
Manuel de Lemos adianta que se constata “ o falhanço das políticas sociais do Estado português de combate à pobreza: primeiro com um certo olhar miserabilista que tendia a dignificar a pobreza. Depois com uma concepção mais pós moderna e ideológica que promoveu a igualdade e a solidariedade como uma técnica. Por fim, com uma concepção economicista e privatística do social, que promoveu a confusão entre seguro e assistência de que o Rendimento Mínimo Garantido é a expressão acabada”.

Cultura de dependência

O presidente da União das Misericórdias Portuguesas lembra que “de tudo isto resultaram políticas sociais cujo resultado esta à vista, uma crescente responsabilização do Estado e das famílias e crescente cultura da dependência”.

Adverte, contudo, que no final deste processo verificamos “ a desprotecção dos jovens à procura do primeiro emprego, das mulheres, dos desempregados de longa duração, das crianças em risco, dos deficientes e dos idosos” que segundo realça “ configuram o maior problema”.

Por outro lado, “em todas as estatísticas europeias Portugal figura como o país de mais difícil acesso a todas as respostas sociais que país coloca à disposição, com dezenas de formulários e de declarações”. Manuel de Lemos deixou, assim, uma primeira proposta, a se de que “se facilite e torne compreensível o acesso, um qualquer Simplex social”.

Por outro lado, lembra que não é verdade “ que os desenvolvimentos económicos e sociais sejam só por si factores de eliminação da pobreza. Vários economistas dizem que sim, mas basta comparar anos seguidos em que tivemos de desenvolvimento económico, com as taxas de desenvolvimento da pobreza, para se verificar que isso não aconteceu”. Realça mesmo que “pelo contrário, alargou-se o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, tal como ainda há alguns dias uma estatística da União Europeia revelava que o nosso fosso é de facto o maior”. Ou seja, “mais uma vez o que está aqui em causa é o nosso modelo de desenvolvimento, é o modelo de repartição de riqueza”. Manuel de Lemos considera que neste caso “o sector social pode ter uma função reguladora desse modelo de desenvolvimento”.

Por outro lado, adianta que “não é hoje seguro que quem tem emprego integre a situação de inclusão social. Uma das mais preocupantes situações é o facto de a maioria ser tão mal paga que o salário que recebe não chega para deixarem de ser pobres, e são por isso alguns dos mais afectado pela exclusão social.
Alerta que “esta situação é particularmente grave nos envolvidos em situações de trabalho precário mas começa a estender-se aos jovens a procura do primeiro emprego e `as mulheres”.

Neste contexto frisa que “ é particularmente chocante que em muitos caos seja preferível não trabalhar e recorrer a Rendimento Social de Inserção do que ter um emprego, apesar de toda a auto-estima que ele gera”.

Manuel de Lemos defende, por outro lado, que “não faz sentido que um activo a quem se atribui um subsídio possa paralelamente estar isento de um trabalho cívico”.

Regressando à questão da pobreza nos idosos lembrou que “nos últimos 20 anos o Estado se afadigou a arranjar cada vez mais dinheiro, mas que é neste domínio que se encontram ainda os casos mais chocantes a nível da dignidade humana”.

Defendendo “ o reforço do apoio domiciliário” lembra que foi Leonor Beleza que enquanto secretária de Estado disse “que um escudo entregue a uma IPSS representa 100 gastos pelo Estado” num percurso que refere ter sido feito na altura, mas sucessivamente abandonado por posteriores governos.

“Hoje a relação do Estado como o sector social é de desconfiança e de uma tutela arrogante. Hoje o Estado apoia-se no sector Social”, denunciou Manuel de Lemos, que deixou ainda claro “que as Misericórdias não querem receber dinheiro do Estado, querem é que este apoie as famílias, e cumpra a legislação”.


João César das Neves: “ há uma contradição enorme entre os pobres e os solidários, pois no dia em que os pobres acabarem, os solidários perdem o emprego”.

“Aconteceu ao problema da pobreza o pior que podia ter acontecido, ou seja transformou-se em bandeira”, começou por dizer o professor universitário João César das Neves.

A pobreza é hoje um problema conceptual que o docente frisa ser mesmo “um combate em que as pessoas se emocionam e se irritam, e que não se resolve pois ninguém tem a cabeça fria”.

Segundo frisa “a pobreza transformou-se numa arma de arremesso no âmbito da luta de classes”, uma ideia que “ apesar de errada é clara, e que apesar de ser mentira faz com se acredite “que há pobres porque os ricos criam os pobres” uma interpretação que em seu entender “ não tem qualquer saída, uma vez que os partidos políticos de todos os quadrantes e se esforçam hoje na luta contra a pobreza”.

João César das Neves refere que “o segundo problema é já não conceptual mas administrativo, pois criou-se uma classe de solidários, isto é uma classe de pessoas que tratam da pobreza”. Refere que “ é esta classe de solidários que fala pelos pobres, pois estes coitados não falam” e adiantou “que a classe dos solidários vai desde os santos até aos bandidos, que estão lá para se aproveitarem”.

Alerta mesmo que “ há uma contradição enorme entre os pobres e os solidários, pois no dia em que os pobres acabarem, os solidários perdem o emprego”.

João César das Neves lembrou que hoje já só há novos pobres pois “ desapareceu a pobreza clássica em que se era pobre ou por mera maldade, pois se era explorado por alguém que conquistava o território, ou por um azar da vida como passar por uma seca ou uma guerra. Ou, por fim, porque era a vida, e havia pobres”.

Razões económicas da pobreza

O docente lembra que “a velha pobreza tinha a ver com subdesenvolvimento, e essa acabou com o aumento da produtividade”. Assim, pode hoje “ dizer-se que a pobreza está resolvida no sentido de que as razões económicas da pobreza não existem”. Considera que “ o que hoje se tem é uma pobreza que vai durar toda a vida, pois é como a doença ou a violência, que por mais que se faça vão sempre existir”.
João César das Neves lembra que “houve o mito de que se ia acabar com a pobreza. É um mito que já se teve em relação à doença, pois houve uma altura em nós tínhamos uma lista e íamos acabar com a doença uma a uma”.

“Quando se analisa hoje a questão dos novos pobres perece-me que a primeira causa da sua existência é o próprio sistema, no que este tem a ver com factores como o desemprego ou a crise económica”, refere. César das Neves frisa existir uma segunda causa para a nova pobreza que “é a vida, no sentido de existirem problemas familiares e de ordem psicológica, como a droga”. Defende mesmo que neste caso “o distribuir de dinheiro, que era a forma de resolver a velha pobreza, não funciona e até agrava o problema”.

Para além disso, Lembra que “ estes novos pobres não são simpáticos como os velhos pobres. Estão a ligados a situações de drogas, são imigrantes ou idosos e não são simpáticos à sociedade até por representarem algo muitas vezes ligado à criminalidade ou à marginalidade”, o que implica que muitas vezes “ a sociedade distancia-se da sua situação”.

Por fim, João César das Neves analisou “ as razões políticas da pobreza”, adiantando que em seu entender “para além da crise económica o que está a agravar o fenómeno da pobreza, e tem a ver com a sua primeira causa, é a lei do divórcio”. O docente universitário lembra que “este ataque sistemático à família foi apresentado como uma vitória da Democracia, mas é uma das principais causas de pobreza nas mulheres, nos idosos e nas crianças”. Defende mesmo que “devia antes ser tratado como o ambiente, com campanhas para se preservar a família quando se faz exactamente o contrário”.

Outra das razões políticas apresentadas prende-se com “ o Rendimento Social de Inserção, que é o exemplo da falhanço das políticas de combate à pobreza, pois o Estado nacionalizou as esmolas”.

Por fim, e assumindo a óptica de economista César das Neves criticou o que considera “o aumento brutal do Salário Mínimo Nacional que fez crescer o desemprego e fomentou que algumas empresas passagem a clandestinidade”.

Como soluções para a questão da pobreza adiantou “a necessidade de uma maior integração dos imigrantes, mas também dos emigrantes portugueses que estão a retornar a Portugal, a par de uma ajuda mais activa a quem está efectivamente junto dos pobres, ou seja às instituições que estão no terreno”.


Maria José Nogueira Pinto: “O Estado tem de perceber que a rede de proximidade não pode ser por ele criada, e esta é necessária por ser a única que chega à causa dos problemas e às pessoas”

Maria José Nogueira Pinto assumiu que vinha falar numa perspectiva mais autárquica, adiantado concordar “ como a visão de João César das Neves em relação aos novos pobres, e ir falar dos tais pobres menos simpáticos”.

“Tenho pena de não poder falar também no fenómeno do empobrecimento, um fenómeno que na minha passagem pela Misericórdia de Lisboa eu e o Manuel de Lemos bem verificámos, pois a classe média portuguesa tem muito pouca resiliência e facilmente resvala para a pobreza”, referiu.

“Venho então falar desses pobres menos simpáticos”, referiu, adiantando que “ eles são pessoas com muito poucas competências, e resta saber se quando se lhes dá uma oportunidade eles são capazes, ou não, de vencer a sua circunstância”.

Antes de começar a entrar na estratégia de desenvolvimento dos bairros a jurista considerou que talvez valha a pena “falar de algumas coisas que são hoje evidências da experiência. Desde logo, a impossibilidade total de se combater a pobreza e a exclusão social sem a existência de políticas públicas”.

Maria José Nogueira Pinto advertiu que “ estas precisam de ser coerentes e transversais, e incluírem não só a solidariedade através da Segurança Social, mas passarem também pela saúde, educação, e políticas de habitação, emprego e de imigração”. Refere que “ hoje verifica-se uma crescente ineficácia e ineficiência das políticas públicas. Desde logo, pela sua excessiva burocratização, que faz com que mesmo na actual situação de crise os chamados apoios de emergência demorem cerca de três meses a chegar aos destinatários, ou seja há uma incapacidade de serem verdadeiros apoios de emergência”. Para além disso adianta que “ existe uma grande distância entre as pessoas e o Estado, o que é natural, mas que faz com que os destinatários estejam muito longe de quem decide as medidas”.

Maria José Nogueira Pinto adianta que, por outro lado, “há uma rigidificação dos conteúdos, o que tem a ver com a falta de avaliação”. Neste domínio, lembra, que “o caso do Rendimento Mínimo Garantido é paradigmático pois nunca foi feito um estudo com a sua avaliação. Como o Estado não se avalia verifica-se que as medidas se perpetuam sem avaliação e também sem qualquer correcção”, referindo “ que também existe uma descontinuidade, pois estas são medidas de médio e longo prazo, enquanto os ciclos eleitorais são de quatro anos”.

A ex-vereadora da câmara de Lisboa lembrou que “ as medidas tradicionais de intervenção social estão hoje esgotadas, e tem de haver um esforço de inovação. O Estado tem de perceber que a rede de proximidade não pode ser por ele criada, e esta é necessária por ser a única que chega à causa dos problemas e às pessoas. Daí a necessidade de parcerias com o sector social, pois se é certo que o Estado fez um esforço de descentralização, também é certo que este não foi suficiente, o que implica que existe um grade desperdício de recursos”.

Reprodução da pobreza

Para além disso, “ outro factor é o da reprodução geracional da pobreza, aquilo que se chama a armadilha da falta de mobilidade intra-geracional”.
Maria José Nogueira Pinto deixou ao Fórum a questão de se saber de que forma “ todos estes factores se ligam ao espaço”, para logo responder que isso acontece “ pelo facto destes grupos estarem acantonados em espaços ambientalmente negativos, em comunidades marginais que progressivamente transformam em guetos, ou em bairros degradados ou que rapidamente se degradam”.

Defende, assim, que “ o espaço tem assim uma influência negativa nestas pessoas, e um impacto no fenómeno de reprodução da pobreza. O paradigma da habitação social já mudou, pois percebeu-se que esta reproduzia a exclusão social a exclusão e a falta de mobilidade”, adianta.

A ex-autarca lembra que “durante muito tempo pensou-se que a construção de habitação social era uma política em si mesmo. Mas não, isso era mera construção civil. “Só é uma política quando se congregam uma série de factores, e se consegue pela intervenção na habitação uma verdadeira política de inclusão social”, frisa.

Maria José Nogueira Pinto passou depois a explicar as linhas da intervenção que foi feita do projecto que liderou em Lisboa em relação aos bairros municipais de realojamento. Frisou as dificuldades de encontrar informação que muitas vezes teria sido deixada pelo seu antecessor no lugar, e explicou que esse plano passou por contactar uma série de entidades públicas envolvidas, o que é necessário sempre que se quer avançar com este tipo de processo.

Foi preciso analisar a situação de cada bairro e desde logo diferenciar o tipo de necessidades que tinham.

“Estes bairros foram divididos em dois tipos já previamente tipificados em estudos: os dos territórios ameaçados, em que se nada se fizer podem resvalarem nas grandes cidades para espaços muito problemáticos, e os da chamada pobreza integrada, em si mesmo mais parecidos com os da antiga pobreza”.

Os eixos da intervenção nestes bairros de Lisboa passaram, assim, segundo a oradora “por sectores tão diferenciados como pela Segurança, pela cidadania para o desenvolvimento de competências, e pela cidadania para o desenvolvimento o económico”.

Chegámos hoje a uma situação de emergência social que exige uma actuação imediata, determinada e corajosa para se combater os focos de pobreza, e apoiar os novos pobres

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