02/04/2009

Resumo da Sessão "Segurança: direito das pessoas, dever do Estado"

A questão da segurança tem estado na ordem do dia das preocupações dos cidadãos portugueses. A sessão do Fórum da Verdade, de 26 de Março, decorreu em Setúbal, precisamente uma das cidades onde a questão do disparar da criminalidade tem vindo quotidianamente nas páginas dos jornais, condicionando a liberdade das pessoas e sua segurança, mas prejudicando igualmente a própria economia.


José António Barreiros: “ Hoje em dia o sentimento de insegurança tem muito a ver com a própria precariedade das condições de vida”

José António Barreiros, advogado, e primeiro orador neste Fórum, referiu ir “deslocar o debate concreto da segurança para o da criminalidade”. “Um lugar comum é pensarmos que a questão da insegurança deriva do facto da criminalidade ter aumentado, e as estatísticas que estão em discussão através do Relatório Anual da Segurança Interna dão conta disso”. Mas, referiu, “ se a insegurança deste momento é preocupante, não é a totalidade do fenómeno”.

Para o advogado “hoje em dia o sentimento de insegurança tem muito a ver com a própria precariedade das condições de vida. A percepção que os portugueses sentem de que a segurança está a diminuir é, também, a da precariedade do emprego em primeiro lugar, é a convicção de que uma coisa tão vital para a fé que as pessoas têm no seu futuro está neste momento posta em causa pela perda de confiança no sistema bancário”.

“Penso que ninguém mediu ainda com rigor o impacto que tem no subconsciente colectivo as dúvidas das pessoas quanto à solvabilidade do sistema bancário, e quanto à capacidade deste poder escapar a curto prazo a fenómenos de falência” frisou José António Barreiros. Assim, “ é precisamente neste quadro de insegurança do cidadão quanto ao futuro, e quanto à sua felicidade mais imediata, que a questão da insegurança derivada da criminalidade se tem de colocar”.

Credibilidade dos organismos

Para além disso, lembra que “ há um segundo problema que é a progressiva perda de credibilidade dos organismos que estão especificamente incumbidos de velar pela segurança, ou seja os portugueses não acreditam hoje na polícia, que é o elemento mais próximo no controlo da insegurança por poder actuar mais rapidamente, e eliminar os atentados contra a sua propriedade ou integridade física”.

“Pelo contrário”, frisa “ existe a noção de que a polícia por carência de meios e por razões extrínsecas – uma das quais é ser sistematicamente desautorizada em muitas das suas actuações – não oferece capacidade suficiente para convencer de que é um instrumento útil e eficaz para oferecer segurança”. As pessoas podem até ter “ um sentimento de gratidão para com o esforço que os polícias fazem mas, no geral, não têm a convicção da capacidade destes para serem eficazes”.

José António Barreiros defende que “ em relação aos próprios tribunais se passa exactamente o mesmo”. Refere que na Faculdade de Coimbra se realizou recentemente um debate com dados trazidos por um especialista do Conselho da Europa, que veio falar da excelência da Justiça na situação de carência em que a sociedade portuguesa se encontra. Os dados portugueses resumiam-se a isto: “Portugal tem um rácio quantitativo de funcionamento dos tribunais, de despachar processos, bastante razoável, mesmo entre os melhores lugares a nível da Europa, tem as remunerações para magistrados das mais baixas, e tem as taxas de descontentamento para com a Justiça das mais altas da Europa”. Ou seja, “uma Justiça que funciona através da exploração dos seus operadores no quadro do descontentamento total da população e que, mesmo assim, despacha processos”. Enfim, “se isto é excelência, não sei o que é o contrário dela”, exclamou.

O advogado frisa que “é portanto neste segundo vector de não haver confiança na resposta dos próprios tribunais que passamos de um sentimento mais estrito de receio que se pode colocar face aos malfeitores, para um sentimento convergente de pouca fé na reposta atempada que possam dar os serviços incumbidos de resolver estes assuntos”.

Para além disso, detecta “ algumas incongruências de pensamento nesta área, designadamente, que a segurança não se atinge de forma primária pela rapidez, mas sim pela certeza”.

Dessa forma, “ o sistema legal tem de estar preparado para que a resposta dos tribunais tenha um mínimo de consistência e de congruência” e, alerta: “ nós continuamos a assistir durante muito tempo ao facto de os tribunais poderem continuar a proferir decisões contraditórias e até antagónicas entre si. Não só na questão da aplicação das penas, mas mesmo nas questões de Direito”.

Já no plano legislativo “o sentimento de insegurança deve-se a desastradas reformas que têm sido sucessivamente feitas”, acrescentando que “ temos hoje verdadeiras contradições legislativas que acabam, mais uma vez, em dificuldades de aplicação da lei e, mais tarde, em anulações de processos”. Mas, acrescenta, “ temos sobretudo uma incerteza muito para alem do razoável”.

Critica ainda a “alteração da prisão preventiva que foi feita e depois, e ainda pior, a tentativa de a emendar através da chamada lei das armas”. Alertou, igualmente, para “a banalização do recurso a criminalização no domínio fiscal, económico e da segurança social como tentativa do Estado fazer cumprir as suas políticas”.

José António Barreiros chamou, por fim, a atenção para o facto de “nos últimos anos, e graças a uma campanha contra os privilégios da Justiça, se ter perdido a credibilidade do próprio sistema”.


José Santos Cabral: “a nossa sociedade alterou-se radicalmente nos últimos anos. Transformamo-nos numa sociedade de consumo comunicacional em que as pessoas querem normas que vão ao encontro das nossas convicções pessoais e dos nossos desejos”

“O conceito de segurança tem vindo a ser objecto de múltiplas apreciações ao longo dos séculos. Desde o poder do soberano até o direito do cidadão que é aquele que nos assiste muito se evoluiu”, lembrou o magistrado Santos Cabral.

Adverte que “ o conceito tem ganho importância com o eclodir de fenómenos em relação aos quais não estávamos habituados, designadamente no século XX com a globalização do crime e dois acontecimentos muitos especiais, o 11 de Setembro e os acontecimentos de Agosto de 2005 em França”.

Para Santos Cabral “sendo a segurança um direito que nos assiste – direito à propriedade, à tranquilidade, à integridade física – desde há séculos, mas com particular incidência desde o século XIX, que muita gente se debruçou sobre as causas da criminalidade”. Apesar de ser um problema complexo Santos Cabral refere que podemos encontrar “ três ou quatro causas que são efectivamente emergentes nos tempos recentes”. Assim, adianta que “a nossa sociedade alterou-se radicalmente nos últimos anos. Transformamo-nos numa sociedade de consumo comunicacional em que as pessoas querem normas que vão ao encontro das nossas convicções pessoais e dos nossos desejos. A família perdeu o seu papel nuclear em detrimento de outros factores de socialização como a TV e a escola. E se os nossos jovens no processo de socialização não estiverem apetrechados com valores, dificilmente poderão resistir a mensagens estereotipadas”, refere.

“Quando se fala também em criminalidade não podemos esquecer o facto de se viver em ciclos económicos”, frisando que “os ciclos recessivos estão precisamente ligados a um aumento da criminalidade”.

Os custos da criminalidade

“O sentimento de insegurança também se transmite pelas imagens que vimos e pelas estatísticas” adianta, avisando que existe “ uma componente dos custos de que muitas vezes não falamos: os custos directos das vidas que se perdem, e os indirectos para o próprio país em termos económicos pois as pessoas quando se sentem inseguras não compram, não saem e não vão a restaurantes”. Por outro lado, as pessoas de outros países “quando vêem na televisão cenas de violência como as da Quinta da Fonte naturalmente deixam de pensar em vir fazer férias para um país que consideram afectado pela criminalidade grave e violenta”.

“Quando se olha para os relatórios de Segurança Interna, quer para os dados das Nações Unidas, ou para os do Eurostat, estes dão-nos uma ideia do que é a evolução da criminalidade em Portugal” refere, adiantando que “o traço global é o aumento da criminalidade grave e violenta”.

O magistrado chamou a atenção para a disparidade das fontes quando se está a analisar o nível de crime estatisticamente verificado. A título de exemplo, refere que o crime de homicídio em Portugal registava em 2006 o número de 227 mortos segundo dados das Nações Unidas, enquanto o Relatório Anual de Segurança Interna apontava para 194 e o Eurostat para 148.

Critica, ainda, o facto de os números serem dados pelas autoridades a conta gotas para os Media, o que faz com que não se possa ter uma visão global do que deva ser uma política criminal.

Santos Cabral adianta, ainda, que “ provoca alguma perplexidade o facto de que quando se comparam os números de Portugal com Espanha, que são proporcionalmente semelhantes, a percepção da segurança é muito diferente nos dois países”. Assim, “só 15 % dos espanhóis é que consideram a segurança como o principal problema”.

O magistrado chamou a atenção para alguns factores que marcam a criminalidade em Portugal, “ desde logo a litoralização do crime e a sua organização”. Na verdade, “o crime é hoje urbano e concentra-se em manchas de grandes aglomerados”. Por outro lado, há uma maior acessibilidade que as auto-estradas proporcionaram em termos de facilidades logísticas e fenómenos de delinquência juvenil e grupal. Destacou, ainda, “a existência de uma criminalidade económica e financeira que revela algumas dificuldades de comunicação entre o MP e a polícia”.

Tudo isto num caldo de aumento global das chamadas incivilidades, as tais bagatelas penais, como os graffiti ou as desobediências à autoridade. Alerta que “quando os mecanismos de controlo informal abrandam, e deixamos degradar o ambiente em que vivemos, as condições tendem sempre a piorar “.

Defendeu, por fim, uma política de prevenção assente num plano com visão de conjunto, com meios, objectivos e recursos, com tudo bem definido e com horizontes temporais claros”.

Já no curto prazo Santos Cabral destaca a necessidade de “um bom funcionamento dos tribunais e das polícias” como forma de se ultrapassar a grave situação de falta de Segurança.


Pacheco Pereira: “Hoje a insegurança afecta a grande cidade mas também a mais recôndita aldeia de Trás-os-Montes. Sendo certo que de há muito que fora das grandes cidades pura e simplesmente não existe nenhum tipo de policiamento”.

“Soubemos pelo próprio Ministro da Administração Interna (MAI) que 2008 foi o ano mais violento da Última década” refere o historiador, adiantando que “ em bom rigor deve mesmo ter sido o mais violento em várias décadas, e não propriamente só da última”.

Mas, adianta que para além do enquadramento estatístico, “ o ano de 2008 foi provavelmente o mais violento que a maioria de nós viveu, com notícias diárias de assaltos a bancos e violações sistemáticas da segurança”.

Pacheco Pereira diz que face a isto o MAI assume que “perdeu”, uma postura que critica: “ o que eu quero é que o MAI garanta que esta realidade não se vai repetir; e que isto não continua”.

“ Mesmo que isso implique ele abandonar o governo, e desde que este passe a dar outra importância à Segurança Interna”, acrescentou.

A percepção de insegurança

“Todos os especialistas dizem que face a este fenómeno existe a questão da insegurança em si mesma mas, também, a chamada percepção de insegurança” refere Pacheco Pereira. Em seu entender “ de um modo geral as pessoas têm mais percepção de insegurança do que a que é real, mas os recentes números estão a fazer aproximar estas duas realidades”.

Segundo frisa “o medo cresce na sociedade portuguesa. Na maioria das pessoas mas particularmente nas mais fracas e nas mais idosas e nos mais pobres. E esse medo tem razões mais profundas, pois quando se pergunta hoje onde existe insegurança verifica-se que é em todo o lado pois generalizou-se o fenómeno da toxicodependência”. Para Pacheco Pereira “hoje a insegurança afecta a grande cidade mas também a mais recôndita aldeia de Trás-os-Montes. Sendo certo que de há muito que fora das grandes cidades pura e simplesmente não existe nenhum tipo de policiamento”.

Adianta que “ à medida que o medo da droga se agravou” até pelo facto do fenómeno acarretar os pequenos roubos e outras consequências directas para as pessoas que começam a ver o tráfico no largo da pequena aldeia, “verificou-se também o aumento do medo de temerem que os filhos venham a ser afectados com este problema”. Pacheco Pereira acrescenta que “o aumento da complacência em relação a este problema, tem no reverso da medalha o aumento do medo para o cidadão comum”.

Lembra, por outro lado, “que as cidades são cada vez mais um sítio onde é difícil viver por causa do caos urbanístico, e do errado entendimento do que era habitação social que levou a bairros onde se reproduzem a pobreza e a miséria”. Chegou-se a uma situação em que “grandes partes das cidades são inseguras como se vê em recentes imagens de lutas entre comunidades” avisa.

Esta insegurança afecta os escolas, pois se há um projecto Escola Segura, o certo é que os pais e as crianças sabem que todas elas passam por experiências de roubos de roupa ou de telemóveis. Por outro lado, a violência passa para dentro da própria escola, que hoje é violenta para alunos, professores e, também, para os funcionários.Mas, a violência afecta igualmente os idosos que estão neste momento em crescimento numérico face às alterações demográficas. “ Sabemos o medo que é viver na cidade e ter, por exemplo, de ir receber a pensão de reforma ” lembra.

“Podem dizer que os números dos crimes propriamente ditos são menores do que o medo. Mas não, porque o problema dos números passa também por aqueles que não aparecem nas estatísticas” diz Pacheco Pereira. Em seu entender “para os pequenos crimes as estatísticas estão bem abaixo do real, pois o cidadão não se dá ao trabalho de comunicar o pequeno furto de dentro de um automóvel, muitas vezes por até conhecer o bando de bairro que o faz e ter medo de o denunciar”.

Neste cenário frisa que “os pequenos crimes são os que mexem com o quotidiano das pessoas, e que a insegurança é um problema nacional e da política”.

“É evidente que quando ao longo dos últimos anos o ministro apareceu a desvalorizar este tipo de fenómenos ficou claro que não se tomaram as medidas necessárias para o seu combate”, acusa.

Pacheco Pereira chamou, ainda, a atenção para fenómenos relacionados com o falhanço das políticas de integração de algumas comunidades de imigrantes, o que tem agravado o problema da insegurança dos cidadãos.

Sobre o terrorismo considerou que “sempre que se desvaloriza o fenómeno, e se diz que Portugal não é um alvo, também aí nos estão a enganar. O terrorismo afecta todos os Estados, e se o aeroporto de Lisboa estiver mais permeável do que o de Madrid a este tipo de acções, Portugal corre um maior risco”. Frisou que “o terrorismo tem hoje capacidades cada vez maiores, designadamente em matéria de armas químicas e biológicas, isto para além de pessoas que não se importam de morrer desde que levem consigo uma grande número de outras pessoas”.

Assim, diz o historiador, “queremos um governo que esteja vigilante e a tomar medidas efectivas de prevenção contra o terrorismo”.

A terminar Pacheco Pereira adianta “que ninguém venha dizer que 2008 foi o culminar de uma crise económica, pois muito para além dela há a desagregação da sociedade portuguesa”.

Segundo Pacheco Pereira “ também os crimes de colarinho branco são muito importantes, pois a insegurança também existe face à fraude bancária e ao aumento da corrupção, pondo mesmo em causa a coesão social”.

Falar verdade é outro dos factores apontados como necessários pelo historiador que considera que se deve assumir “que a política de segurança falhou, e que se vão tomar medidas para alterar essa situação no futuro.

”Frisou por fim, que a segurança afecta “a própria liberdade do cidadão, e domina a sua própria vida”.

“É necessária uma maior organização e mais autoridade das polícias, para melhorar as condições de segurança dos portugueses.

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