06/03/2009

Cuidados de Saúde para todos

Ter cuidados de saúde para todos só será conseguido por um sistema que consiga compatibilizar eficientemente os sectores público, privado e social. Rodrigo Adão da Fonseca, coordenador da sessão do Fórum Portugal de Verdade – realizado a 5 de Março, e dedicado à Saúde – adianta que neste domínio “ crise é a palavra que mais se ouve”, e que “a necessidade de reformas na saúde não é de agora”.

Introduzindo uma participada sessão do Fórum que decorreu em Coimbra Rodrigo Adão da Fonseca lembrou que Portugal “ desde os anos setenta aderiu a um modelo europeu de acesso universal financiado pelos impostos e tendencialmente gratuito no consumo”. Após a consagração constitucional do SNS verificou-se uma “alocação crescente de recursos financeiros, e se nos anos oitenta com a saúde dos portugueses se gastava 3,6 % do PIB, em 2007 o valor dobrou para 7,2 %. Hoje somando gastos públicos e privados a saúde dos portugueses consome 10,6% do PIB, e Portugal é o sexto país da OCDE em gastos situando-se acima da média que se cifra nos 8,9 %.

Rodrigo Adão da Fonseca frisa que “o SNS transformou-se numa bandeira do nosso regime democrático” e por isso é tão importante saber o que pensam os vários especialistas que participaram no Fórum.


Manuel Antunes: “ Não é lógico nem aceitável que os mesmo agentes possam controlar a prestação no sistema público e no privado num sistema em que a oferta gera a procura”

“Tenho-me dedicado completamente ao SNS que na última década tem estado debaixo de fogo pela sua incapacidade de prestar ao cidadão os cuidados de saúde adequados em tempo útil, de que é reflexo evidente, e muito publicitado, a existência de longas listas de espera para consultas e cirurgias” referiu o docente universitário Manuel Antunes.

Os recentes encerramentos de serviços de saúde têm posto a nu estas insuficiências, e implicam o encontrar de soluções.

Manuel Antunes considera que “as despesas com a saúde constituem investimento indispensável no capital humano da sociedade. Uma população saudável induz o crescimento e o desenvolvimento da sociedade. Por isso, os custos com a saúde devem ser considerados uma responsabilidade do Estado” refere o docente. Mas, acrescenta, “ o bem saúde não é de consumo livre, antes pelo o contrário é um bem cada vez mais caro”.

Dessa forma, sendo “os recursos financeiros limitados devem utilizar-se os meios da forma o mais eficiente possível. Uma matéria que tem a ver com o modelo de gestão utilizado”.

Manuel Antunes refere que “a procura crescente da saúde resultou num aumento dramático dos custos que representam hoje 16 % das despesas da administração central”. Em matéria de peso no PIB a saúde representa 7,2 %.

O docente realça a necessidade de se “ encontrarem soluções para os gastos crescentes em Saúde, quando um recente relatório do Tribunal de Contas revela que o desperdício nesta área representa, pelo menos 25 %”.

Manuel Antunes defende que cada um destes sectores – público e privado – tem de ser individualizado e profissionalizado, pois “não é lógico nem aceitável que os mesmo agentes possam controlar a prestação no sistema público e no privado num sistema em que a oferta gera a procura.”

Os interesses corporativos na Saúde

Considera que actualmente “é quase impossível gerir o SNS numa perspectiva de eficiência” e assume que “os interesse corporativos internos e externo também prejudicam esse objectivo e impedem a implantação de reformas urgentes”. Em seu entender em década e meia só se verificaram “reformas de cosmética”.

O SNS deve, segundo Manuel Antunes, “ manter-se como a pedra angular do sector”. Lembra que nos EUA e o Brasil onde o sector privado se tornou preponderante o sistema deixou de ser universal.

Manuel Antunes defende que “há que definir rigorosamente a fronteira entre os dois sectores, público e privado”, e considera que “ sistema de convenções fere o princípio do mercado em que a qualidade gera a procura”.

A sua óptica “ o privado deve ser cada vez mais autónomo com dedicação exclusiva dos seus profissionais” e sobre as listas de espera volta a lembrar que “é necessário aumentar a utilização dos blocos operatórios e do número das consultas externas”.

Por fim, defende “um estatuto empresarial para os hospitais modernizando a gestão com flexibilização na aquisição de meios e serviços bem, como a descentralização dentro próprio hospital em centros de responsabilidade”.


Manuel Caldas de Almeida: “As Misericórdias podem perceber precocemente as necessidades das pessoas, daí o facto de recentemente se terem voltado para o sector dos cuidados continuados”.

“Neste sector temos de falar sempre do peso da Saúde no PIB e das necessidades que se advinha dos governos e dos Estados virem a gastar dinheiro noutras coisas” advertiu Manuel Caldas de Almeida, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Mora.

Neste cenário é necessário “ver se o Estado vai manter as respostas na Saúde, prevendo-se as grandes necessidades que vão existir em simultâneo no lado da procura”.

Reconhece que “as projecções demográficas não são hoje tão simples de prever, apesar de se verificar que os grupos mais velhos começam a ser cada vez mais importantes.

Mesmo quando definimos indicadores temos de perceber que isso vai mudar, e ver que é principalmente nos mais velhos que há mortalidade”.

Caldas de Almeida lembra que “ nos idosos o seu bem-estar tem muita importância na sua saúde” e que “vamos ter de contar com o fenómeno de existirem de cada vez mais doenças crónicas”.

Mas, diz orador, “as crescentes necessidades do sector da Saúde não decorrem só do envelhecimento, mas do crescimento dos novos tratamentos e da nova capacidade tecnológica, o que em si mesmo é uma coisa boa”.

Refira-se que a ONU decretou para o século XXI, antes da crise económica actual, que o envelhecimento global era um dos grandes problemas.

Hoje, frisa, “temos de passar a falar em esperança média de vida saudável. É desejável chegar o mais próximo da morte saudável”.

Sobre o SNS refere que se “fala muito na capacidade instalada, mas para este ser sustentável é fundamental ser eficiente”.

Caldas de Almeida frisa que “ há muitas coisas indefinidas em Portugal no sector da Saúde que isso é difícil para os operadores”. Defende maior clareza na questão do financiamento considerando ser “esta claramente a doença do SNS”.

“Faz-me confusão que se possa, como se fez no caso do Amadora-Sintra, retirar ao grupo Mello a gestão porque a avaliação era demasiado cara”.

Mudanças nas regras do jogo

Focando-se no sector social da Saúde refere que “um dos grandes problemas é as regras do jogo mudarem de governo para governo e, por vezes, dentro do mesmo governo”.

Caldas de Almeida defende que “o domínio dos sistemas de informação é básico, e que se dentro do SNS não se souber medir o que este faz e o que compra, e como compra, dificilmente se saberá a sua eficiência”.

Sobre a capacidade instalada Manuel Caldas de Almeida refere que “muitas vezes esta representa investimentos desconexos feitos ao longo dos anos” o que implica que esta tenha de ser analisada “segundo um crivo da sua actual eficiência”.

É evidente que o SNS “caminha a uma velocidade razoável para a sua insustentabilidade, e só procurando caminhos de eficiência complementada a compra na área do privado e do social é que se poderá garantir esta sustentabilidade” assegurou o orador.

Considera que “nos idosos a sustentabilidade vai implicar que hoje se tenham velhos saudáveis e se aposte no envelhecimento activo. Há actualmente, no entanto, muitas pessoas com a saúde comprometida por problemas económicos”.

Para Caldas de Almeida “as Misericórdias têm tido um papel importante, e hoje os cuidados continuados são cada vez mais importantes”. Neste domínio garante, ” é preciso medir quem faz melhor ao menor custo”.

Falando da sua experiência pessoal adiantou: “durante 500 anos as Misericórdias sobreviveram a muita coisa e tem muita adaptabilidade como posso ver na de Mora que nasceu há 470 anos para ajudar os mais infelizes. Hoje as Misericórdias estão num caminho muito claro de redefinição daquilo que fazem, e de promoção da sua própria imagem. Se há uns anos os doentes eram principalmente homens com doença infecciosas hoje são principalmente pessoas idosas”.

Caldas de Almeida lembra que “as Misericórdias podem perceber precocemente as necessidades das pessoas, daí o facto de recentemente se terem voltado para o sector dos cuidados continuados”.


Isabel Vaz: “Hoje há um conjunto de poderosíssimos poderes instalados, e quando poupamos de um lado estamos a aborrecer alguém de outro”.

“Até 2020 os custos com a saúde vão crescer exponencialmente com os EUA a gastarem entre 21 a 25 % do PIB e no espaço da OCDE a representarem cerca de 16 % do PIB” referiu Isabel Vaz, presidente da Espírito Santo Saúde. Com o PIB a decrescer estas projecções para 2020 vão ser ainda mais complexas, diz Isabel Vaz que defende ser necessário clarificar quando se diz que “na Europa a Saúde é pública “.

“A Saúde é um dos maiores negócios do século XXI” referiu a oradora, lembrando que esta movimenta imensos interesses em matéria de indústrias farmacêutica, de sistemas de informação de investigação.

Verificamos que “ são as multinacionais mais poderosas do mundo que vendem serviços ao SNS” pelo que “ O Estado é assim essencialmente um comprador de serviços de saúde a um sector altamente sofisticado”.

Isabel Vaz adverte que “ hoje há um conjunto de poderosíssimos poderes instalados, e quando poupamos de um lado estamos a aborrecer alguém de outro”. Por isso, considera que “ qualquer reforma neste sector será sempre muito difícil porque vai contra interesses instalados”.

Todos os SNS querem assegurar o mesmo acesso universal nos cuidados, a solidariedade na questão dos custos e boas pratica clínicas. Mas, frisa Isabel Vaz, na resolução e concretização desse objectivos pode haver várias soluções.

Fontes de financiamento

As fontes de financiamento do sector por parte do Orçamento do Estado variam nos vários países da União Europeia entre os 70 e os 86 %. Nos EUA que possuem dois sistemas públicos de saúde, um para os verdadeiramente pobres e outro para quem tem mais de 65 anos, os fundos públicos representam entre 50 e 60 %, estando o resto coberto por seguros de saúde.

Isabel Vaz refere que no âmbito da União Europeia a maioria dos financiamentos saem directamente dos impostos, cerca de 16 %.

No entanto, frisa que “em Portugal cerca de dois milhões de pessoas já possuem seguro de saúde, o que implica um sistema de dupla cobertura em que nalguns casos se está a pagar duas vezes o mesmo risco”.

Isabel Vaz defende, assim, ser urgente “ tratar da confusão do financiamento”, e em seu entender “o facto de ser público não implica que não tenha que se regulado”.

Lembra, ainda que “privado e público incorrectamente incentivados fazem as mesmas tolices”. Para que o sector público consiga atingir a eficiência essa evolução não pode vir só de dentro”, e realça que “se para o público o doente é um utente no privado ele é um cliente, ou seja alguém que escolhe”. Por isso é tão importante para os privados ir ao mercado buscar os melhores profissionais reconhece Isabel Vaz que adianta que 50 % do seu tempo “é utilizado a ver como é que consigo merecer a preferência das pessoas”.

O sector da saúde irá registar nas próximas décadas um crescimento exponencial exigindo a colaboração dos sectores público, privado e social para se conseguir a satisfação das necessidades das populações

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